RAIMUNDO

08/02/2013 23:00

 

 

 

    Ele era um menino estranho. Agitado, gostava de falar consigo mesmo. Parecia que mal ouvia quando os outros vinham falar com ele. Andava depressa, às vezes dava um soco no ar, resmungava alguma coisa e continuava a andar. Sozinho. Sempre sozinho.

    Na escola tirava notas razoáveis. Não gostava de falar nem de perguntar nada. Não tinha muitos amigos. As vezes, em casa, ficava horas dedilhando o violão, com um ar distante.

    Um dia decidiu que não iria à escola. Alguma coisa o chateava. Queria andar, andar até parar de pensar. Seus pensamentos, confusos, o incomodavam. Subiu até a fábrica velha e abandonada. Diziam que havia morrido um grupo de operários naquela fábrica, num acidente. E que mesmo depois do prédio abandonado se ouviam vozes e gemidos naquele lugar. Mas ele não tinha medo.

    Atrás do prédio onde ainda estava pendurado uma placa informando que ali era o almoxarifado da antiga fábrica, ele viu que um homem idoso estava sentado sobre um tronco de árvore caído ali. Tinha alguma coisa nas mãos. O garoto resolveu voltar dali mesmo. Temia ser visto.

    Foi quando ouviu uma melodia fininha, saída de uma flautinha que o velho tinha nas mãos. Resolveu andar mais depressa mas algo naquela música o fazia ficar meio preso ao chão. Afastou-se um pouco e escondeu-se atrás de uma mureta. Aquela musica mexia com ele.

    A música parou repentinamente e ele ouviu a voz grave do velho dizendo: “- É você, Raimundo?” O menino pensou: “Agora eu não posso me mexer ou ele vai me ver. Daqui a pouco vai aparecer esse Raimundo, eu vou embora”

    O velho levantou-se devagar, deu uns passos e perguntou novamente:”È você, Raimundo?” O menino começou a ficar nervoso. Sentiu, então, a mão do homem pousada em seu ombro. Estremeceu e ia dar um salto quando sentiu aquela mão segurar seu braço. O velho disse:”Porque está com medo, Raimundo? Você não estava me ouvindo tocar? Venha, sente-se aqui.”

    O garoto tremia de medo. O homem era muito grande, forte, tinha uma grande barba branca e ralos cabelos longos e brancos. Seus olhos pareciam vazados. Por um momento achou que era um dos fantasmas da fábrica. Mas achou a mão do homem muito pesada para ser um fantasma. Devia ser um andarilho qualquer. Tentou dar um safanão e correr, mas o homem o segurou com força.

     O homem continuou: “Sente-se aqui, Raimundo.” O menino conseguiu finalmente dizer: “Eu não me chamo Raimundo”. Ao que o homem retorquiu: “Chamava-se.Quando trabalhou aqui. Você tocava muito bem essa flauta. Eu não consigo tocá-la tão bem”O menino pensou: “Deve ser mesmo um andarilho louco!”

     O homem o fez sentar e pôs em suas mãos aquela flauta. Disse para tocá-la. O menino, assustado, pensou o que deveria fazer. Ele nunca havia pego uma flauta nas mãos antes. Levou o bocal aos lábios. Algo o fez tapar alguns daqueles orifícios com os dedos. Ele não sabia como, mas sabia tocar. A melodia fininha, saía bem compassada. Aos poucos, o menino, entre surpreso e satisfeito foi movendo os dedinhos e aprofundando a execução da música. O velho o observava satisfeito.

    Parecia ao menino que sempre havia feito aquilo. Uma paz profunda tomou conta dele. Toda aquela agitação que sentia desapareceu. Esqueceu da presença do velho, da escola, de tudo o mais. Foi quando ele viu se aproximar uma moça muito bonita. Ela estendia suas mãos para ele. Parecia que seu semblante brilhava. Ele olhou para o velho e novamente para a moça. Uma de suas mãos segurava a flauta. A outra ele estendeu para a moça. Foram-se afastando do velho até ficarem totalmente envoltos na luz.

    O velho, emocionado, baixou seus olhos e proferiu uma pequena oração de agradecimento. Finalmente conseguiu o que durante tantos anos ele pediu ao Criador que o ajudasse a fazer: Seu filho Raimundo, ainda muito jovem, trabalhou naquela fábrica. Antes do primeiro mês de trabalho houve aquele grande acidente e ele pereceu junto com vários colegas. Era um rapaz muito tímido e reservado e sua única alegria era a flauta que o pai lhe dera ainda na infância.

    Por muito tempo o pai preservou aquela flauta como lembrança dele. Até que soube da história das vozes na fábrica desativada. Não queria saber de seu filho sofrendo até que lhe ocorreu devolver-lhe sua flauta. Pediu ajuda ao Sr. Damião, que cuidava dessas coisas de mortos, benzia crianças e alimentava os pobres do lugar; e seguiu a orientação do bom amigo.

    A história do Raimundo foi Guima, seu pai, que me contou, um pouco antes de morrer e ir juntar-se ao seu filho querido. Qual a verdade nela, eu não sei. Mas é uma bela história. Resolvi contar aqui. Namastê!